“Todos os times têm uma torcida. O Corinthians é uma torcida que tem um time.”


“O CORINTHIANS SERÁ O TIME DO POVO E O POVO É QUEM VAI FAZER O CORINTHIANS." (Miguel Bataglia, primeiro presidente do Corinthians, na primeira reunião da diretoria, em 1910)






quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Sócrates: profissão Quixote (texto de Reginaldo Benedito Dias)





No início da década de 1980, três brasileiros, citados como novidades
políticas, mereceram um programa especial na televisão alemã. O
primeiro era Luis Inácio Lula da Silva, que havia se tornado principal
líder operário do país e expoente da oposição ao regime militar.

 O
segundo era Fernando Gabeira, o ex-guerrilheiro que havia abandonado
as armas e aderido à pauta ecológica. O terceiro era um jogador de
futebol de grande expressão, capitão da seleção brasileira, chamado
Sócrates Brasileiro e conhecido, por causa de sua graduação em
medicina, como doutor.
O produtor do programa não era propriamente um repórter. Tratava-se de
Daniel Cohn-Bendit, lendário líder das grandes manifestações de maio
de 1968 em Paris. Reinventado a vida, aderira à pauta ambiental e se
tornara deputado do Partido Verde. Seu programa de TV debatia temas da
atualidade política.

 A respeito da presença de Sócrates em sua pauta,
dizia: “só mesmo no Brasil para encontrar jogador de futebol
politizado”. Exagerava, claro. Embora fossem minoritários, havia
outros casos. De qualquer modo, Sócrates, para além do futebol, foi um
dos personagens mais emblemáticos daquela conjuntura de fim de
ditadura no Brasil.
No livro “O futebol explica o Brasil”, o autor arrisca uma
interpretação instigante sobre a seleção de 1982 e seu destino. Alega
que o futebol alegre e inventivo daquele esquadrão era a expressão do
país que se liberava do jugo da ditadura e que, não por acaso, seu
capitão, além de ser um artista com a bola nos pés, era dotado de
elevado senso político libertário.

 Até o insucesso do time
corresponderia aos impasses do movimento democrático, bloqueado com a
recusa da emenda Dante de Oliveira pelas diretas-já, movimento ao qual
Sócrates aderiu como atleta e com o prestígio de capitão da seleção.
Além disso, como se sabe, foi o momento da democracia corintiana,
antenada com o movimento das diretas-já e defensora de formas de
autogestão do futebol do clube. 

A respeito dessa experiência, deve-se
acrescentar que era representativa do período por outros motivos. No
final da ditadura, havia um movimento de reinvenção do espaço do
trabalho. Operários criavam comissões de fábrica e avançavam no
controle sobre o processo de produção. 

Professores reformavam o
currículo criado pela ditadura não apenas para renovar as formas de
reproduzir o conhecimento. Pautavam a democratização da gestão e
reivindicavam a condições de produtores do conhecimento de sala de
aula. Nas universidades, vicejavam lutas pela democratização.


A chamada democracia corintiana alimentou-se desse rico contexto e
tornou uma de suas expressões. Não é por acaso que existem muitas
teses acadêmicas a respeito.
Quando Sócrates pendurou as chuteiras, muita gente imaginou que ele
iria seguir carreira política. Previsão errada. Ciente dos tributos
que o exercício do poder costuma cobrar dos agentes, além de recusar
esse caminho, ele assumiu a condição de outsider. 

Não faz concessões de posicionamento para obter mídia amiga e benesses de cartolas. Por
vezes, parece ingênuo, quixotesco. Sabe disso e não se importa. Sua
aparente ingenuidade é consciente; seu ar quixotesco, deliberado. 

Pelo visto, como no poema de Drummond, escolheu ser gauche da vida.
Que se restabeleça logo e possa, do seu jeito, continuar filosofando!



 * Reginaldo Benedito Dias é professor, historiador, escritor e corintiano.

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